domingo, 3 de outubro de 2010

Papo de futebol

Por Sidney Andrade

E você não vai assistir ao jogo do Brasil?”, perguntou muito abismado meu primo, do alto de seus dez anos e suspenso em suas canelas roxas das peladas. “Não vou, não. Eu não gosto”, respondi simples, não para ser diferente, mas para ser sincero, que é o mínimo de respeito que se pode dar a uma criança espantada.

Ele me olhou como quem viu algo pela primeira vez, depois se acostumou – criança pega as coisas muito rápido –, a surpresa virou compreensão mergulhada na íris. Deve ter pensado, “Ah, Sidney é assim mesmo, não gosta das coisas que foram feitas para que todo mundo goste”. Eu nem me espantaria ainda se um dia chegasse a saber que ele acrescentara ao pensamento: “Não imagino por que motivo Sidney não gosta de tanta coisa legal no mundo”. Mas nada disso foi dito, e se foi pensado, é pura sorte minha.


O que restou depois da minha resposta foi um silêncio quase constrangedor. Para desencarregar minha consciência, resolvi desfazer a ambigüidade, que provavelmente só existiu na gramática e na minha cabeça perturbada. “Quer dizer, do Brasil eu gosto, o que não gosto é do jogo”. Ele riu-se e apoiou-se em mim, como um abraço que não tem coragem de se admitir. A gente nunca sabe quando abraçar uma criança, acha que qualquer hora é hora, que elas se alimentam disso. Mas, para elas, abraçar é feito futebol, é bom, é divertido, mas tem que ser por um bom motivo.

Me perdoem esta última metáfora, eu precisei forçar um pouco. De fato me escapa o “bom motivo” para o futebol, mas há quem saiba. Aliás, a exceção aqui sou eu, não é mesmo? Sei que gostei da minha primeira conversa profícua sobre futebol, com meu primo de dez anos.

Espantada ficou mesmo a mãe do menino. “Ora, não gostar de futebol ainda eu entendo. Mas anunciar por aí que está a gostar do Brasil, isso sim é de se admirar”. Realmente, titia, a situação não vai bem. Eu até culparia o futebol, mas aí arranjaria briga e não seria páreo para uma nação inteira. Quem sabe a culpa não é do governo? Ou do aquecimento global...

E se a culpa for minha, o que não é de todo mentira, eu nem me admiraria em ver que o Brasil vai mal porque eu não assisto ao jogo da seleção na Copa do Mundo. Talvez meu primo saiba qual é o cerne da questão, mas não vou aborrecê-lo com pormenores, o Brasil ainda vai empatado e já estamos a mais da metade do segundo tempo. Não há coração que resista, nem pátria que se sustente nesse eterno zero a zero. Mas isso eu só sei de ouvir falar, não estava lá assistindo.

Esse texto faz parte da primeira edição da revista Olhar Cultural. Gostou? então faça o download da revista completa aqui.

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